Quem manda é o ouvinte

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Reinaldo Polito

Você já deve ter ouvido falar que Garrincha foi tão ingênuo quanto bom de bola. Jogador irreverente, brincalhão, com aparência de quem sempre estava na dele. Levou a vida como se nunca tivesse crescido, com um jeito de menino despreocupado e mais ou menos desligado do mundo.

Foi ainda assim, comportando-se como se pertencesse a outro planeta, que protagonizou histórias que se tornaram imortais. Uma das mais conhecidas aconteceu em 1958, durante a Copa do Mundo na Suécia, e é sempre usada como ilustração para explicar as deficiências de concepção dos planos estratégicos.

Pouco antes do jogo contra a União Soviética, o técnico Feola montou uma tática que julgava perfeita para vencer o jogo. Era algo parecido como orientar o Garrincha para driblar uns dois ou três jogadores da defesa adversária, cruzar na cabeça de um atacante brasileiro e sair para o abraço comemorando o gol.

Garrincha ouviu com bastante atenção e no final fez a pergunta mais óbvia e lúcida que alguém poderia ter feito: ‘O senhor já combinou com o adversário para deixar a gente fazer tudo isso?’

Com a comunicação os fatos não são muito diferentes. Alguns oradores montam as apresentações sem levar em conta a ação dos ouvintes, como se eles fossem se comportar da forma mais favorável possível. São momentos em que a mesma pergunta poderia ser feita: você combinou com a platéia?

Ao planejar uma apresentação, considere em primeiro lugar quais são as características predominantes dos ouvintes. Eu falo predominantes porque é muito difícil encontrar uma platéia homogênea. Entretanto, por mais diferentes que sejam as pessoas, sempre será possível perceber pontos comuns que as identifiquem. São essas características que você precisará levar em conta.

Você não poderá falar para uma platéia constituída de pessoas incultas da mesma maneira como se comunicaria com um grupo de ouvintes de nível intelectual elevado. A comunicação também não poderá ser a mesma para os jovens e para os adultos. Assim como terá de ser distinta se forem especialistas em determinada matéria ou se forem leigos.

Cada uma dessas características exigirá de você um comportamento adequado. Se o público tiver nível intelectual baixo, fale de forma simples e clara sempre que possível, usando ilustrações e metáforas para facilitar a compreensão. Diante de pessoas mais bem preparadas o raciocínio poderá ser mais complexo e abstrato.

Se a platéia for jovem, você poderá obter melhores resultados se falar de planos, do futuro, se acenar com propostas associadas ao amanhã. Por outro lado, se o público for constituído de pessoas com idade mais avançada, suas chances de vitória serão ampliadas se desenvolver o raciocínio e a linha de argumentação com apoio nas informações do passado.

Analise bem a experiência e o conhecimento do público. Se os ouvintes conhecerem bem o assunto, vá fundo e use todo o seu conhecimento sobre a matéria. Se forem leigos, caminhe na superfície e dê explicações básicas, elementares.

Além de identificar as características predominantes da platéia, saiba também quais são as aspirações do grupo que irá ouvi-lo. O que as pessoas desejam? Querem ter dinheiro, segurança, prestígio, destaque social, harmonia familiar, poder? O fracasso baterá à sua porta se, por exemplo, oferecer dinheiro, rentabilidade a uma platéia interessada apenas em segurança. E vice-versa.

Como você não vai poder combinar os lances do jogo com o adversário, altere a tática de acordo com o andamento da partida. Assim, depois de ter estudado bem todos esses aspectos referentes aos ouvintes, fique atento para verificar se as previsões que fez sobre as características e os interesses das pessoas estão corretas.

Se perceber que algum dado não se encaixa com a realidade que está à sua frente, altere o esquema, faça as adaptações necessárias até que a mensagem e a maneira de apresentá-la estejam em sintonia com o público. Aí sim, poderá comemorar a vitória e partir para o abraço.

Fonte: UOL

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